sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Últimas do Supremo e Digressões Pertinentes



O peemedebista José Sarney -- ex-senhor da república do Maranhão contudo forte junto a seus antigos pares da política, do judiciário e do meio militar -- vem de ser agraciado com foro privilegiado pelo Supremo Tribunal Federal no quadro das investigações da Operação Lava Jato, sem nenhuma razão jurídica para isso. Ah sim, existiria um forte motivo, eminentemente político: o homem é um explosivo arquivo vivo sobre as futricas e conchavos dos poderosos, o qual [homem] convém manter calado.

Quando presidente do Senado, Sarney foi acusado de ocultar portarias em que distribuía cargos para parentes e amigos. Em sua defesa, o então presidente Lula soltou a dissonante e tristemente famosa declaração de apoio: "Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum". Passados oito anos, Sarney continua a ser tratado como uma pessoa incomum: o Supremo vem de impedir ao juiz de primeira instância Sérgio Moro o acesso às citações a Sarney contidas nas delações do réu Sérgio Machado.

O senador peemedebista Romero Jucá será para sempre lembrado como aquele do "É preciso estancar a sangria da Lava Jato". Apesar de, apesar de, é igualmente recebido com benevolência pelo Supremo: para ilustrar, um inquérito contra ele dorme em gavetas da corte maior há mais de 10 anos.

Jucá se sente muito confortável para expressar opinião sobre o foro privilegiado, usando uma linguagem ao mesmo tempo chula e ameaçadora: "Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba". Se vivos, os irreverentes Mamonas Assassinas ajudariam Jucá a ir fundo na suruba: "... roda, roda, roda e vira, solta a roda e vem". Solta a roda, senador.

O Supremo abriu mão de suas competências jurídicas para mergulhar de vez na baixa política à moda do Congresso. Politiquinha magistralmente exposta na obra Os Donos do Poder do jurista Raymundo Faoro, indispensável para entender nosso precário estágio civilizatório. Uma vergonha. (As poucas e honrosas exceções, em uma instituição e na outra, confirmam a regra.)

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O respeitado historiador russo Alexandre Choubine, em sua obra de 2014 A Grande Revolução Russa: de fevereiro a outubro de 1917, se debruça sobre a seguinte questão: Por que o revolucionário Lênin, à testa de seu minúsculo partido bolchevique cuja audaciosa bandeira propugnava a extinção de todas as classes sociais salvo o proletariado, e sem contar com alianças partidárias, tomou o poder na Rússia?

Ironia das ironias, as grandes incentivadoras de Lênin, por vias transversas, foram as elites embrutecidas da Rússia de então. O último tsar, o semi-absolutista Nicolau II, só fazia concessões de caráter popular sob pressão extrema. A agitação social era tal que as elites liberais, sob o comando de Alexandre Kerensky, depuseram o tsar e o tsarismo. Na realidade, os círculos do novo poder russo, que incluíam também os conservadores e os socialistas anti-bolcheviques, jamais avaliaram corretamente a dramática situação da imensa maioria do povo russo. Sua educação e formação elitistas não o permitiam.

A cegueira das elites ensejou que o povo se impregnasse de espírito revolucionário. Conselhos -- "soviets" -- pipocaram, com predominância dos soviets de operários e soldados. Na prática, os soviets tinham uma força armada à disposição. Ainda assim, eles não queriam propriamente revolução: reformas que beneficiassem seus representados lhes teriam bastado. Todo o resto da agitação ficou com Lênin e seus minguados bolcheviques (nem todos!): conforme o próprio Lênin chegou a admitir, "a revolução bolchevique se antecipou às massas".

A decomposição do governo Kerensky. Com o parlamento dissolvido -- a pretexto de uma prometida assembléia constituinte que nunca foi convocada -- Kerensky abarcou poderes totais. Mas as várias alas da coalizão governamental não se acordavam sobre os candentes problemas sociais a resolver. No auge das discussões, não faltavam exclamações do tipo "Mas como reagirá o mundo dos negócios [o mercado, na linguagem de hoje]?". Paralisia do sistema: os tais plenos poderes se tornaram na verdade impotentes. Kerensky e seus próximos terminaram por se esconder da agitação das ruas na solidão do Palácio de Inverno, logo tomado pelos bolcheviques com poucas escaramuças: alguns feridos e só (aconteceram ainda simbólicos tiros de canhão contra o navio cruzador Aurora). Os bolcheviques açambarcaram totalmente o poder e empreenderam suas reformas radicais. As elites da época foram definitivamente varridas do mapa político e econômico da Rússia. Bem no âmago de seus pensamentos, Lênin lhes teria sido agradecido "por deixá-lo passar", na feliz expressão de Alexandre Choubine.

Em nosso Brasil de sempre, à questão social acresça-se a corrupção. Como na Rússia de 1917, nossos kerenskys estão brincando com fogo. Claro, para eles uma revolução brasileira é inimaginável. Nem lhes ocorre que diversos países desenvolvidos tiveram que recorrer a revoluções em suas jornadas históricas: França e Estados Unidos são formidáveis exemplos. De tanto tripudiar com a nação e seu povo, de tanto, de tanto, terminarão por perder o controle da situação. Uma imprevisível revolução poderá ser o final do drama. Parem de brincar!

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