sexta-feira, 1 de julho de 2016

O Furor Evangélico



Até 1970, o Brasil era um país eminentemente católico. Uma parte muito respeitável da Igreja de Roma tomara a defesa dos pobres e desfavorecidos, sob o manto da chamada Teologia da Libertação. Os governantes militares -- Castelo Branco, Costa e Silva e Garrastazu Médici -- detestavam e perseguiam os padres alinhados com a teologia, considerando-os comunistas. Para piorar, eis que João Paulo II iniciava seu papado. Os teólogos da libertação e seus seguidores o irritavam. João Paulo II os atormentava, dispersava e ameaçava.

Em contexto assim tão favorável à desconstrução da igreja dos pobres, começou a grande invasão dos evangélicos, apoiados por seitas norte-americanas. Para atrair os milhões de católicos desiludidos, uma ideia genial: em vez da teologia da pobreza, a teologia da prosperidade. O novo discurso: a pobreza é obra do diabo; o enriquecimento é obra de Deus. Irresistível: a riqueza seria acessível a todos. Atualmente, estima-se que as diferentes igrejas protestantes agrupam mais de 50 milhões de brasileiros.

Os pastores evangélicos são hábeis pregadores e aliciadores. Distribuem a Bíblia: os pobres analfabetos ficam felizes por possuir um livro. Oferecem balas para as crianças. Montam ambulatórios, pequenas escolas. Praticam milagres no 'atacado', com solenidade, gritos, canções e histeria. A televisão é o meio primordial. Dizem que Deus é amor, e que tudo acabará dando certo. Ou então lutam com o diabo, batendo-lhe duro. Bradam o Apocalipse, ao anunciar a batalha final entre o Bem e o Mal, com a vitória do Bem. Advertem, no entanto -- aí é que entra a artimanha --, que ninguém deve se apressar. Pelo contrário, todos devem esperar paciente e alegremente pela salvação, quiçá pela riqueza terrena.

E há o dízimo. Os fieis o pagam com todo o prazer, pontualmente. De dízimo em dízimo, chega-se aos bilhões. Tome-se o exemplo de Edir Macedo, o poderoso chefão da Igreja Universal do Reino de Deus. Ele amealhou uma fortuna de 2 bilhões de dólares. Sua casa de São Paulo (existem outras) tem dezoito suítes. Dono da rede de televisão Record (24 canais), 41 estações de rádio, 2 jornais diários, uma agência imobiliária, 600 veículos, perto de 5 mil templos e 8 milhões de adeptos. Deve dormir tranquilo, dando um jeito de acomodar que seu enriquecimento é obra de Deus. Porém a Justiça desconfia. A acusação lhe é pesada: lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Até hoje, no entanto, Edir Macedo tem se escafedido.

No Congresso Nacional, a Frente Parlamentar Evangélica conta com pelo menos 90 deputados, misturando à saciedade política com religião. Abriga a bancada da bala. Ferozmente conservadora em matéria de costumes, ao menos para consumo externo. Tem sido paparicada pelos governos em princípio laicos, neste nosso debochado presidencialismo de coalizão. O expoente da Frente é Eduardo Cunha, o impuro. Jair Bolsonaro, fervoroso simpatizante da Frente, é homofóbico -- não impede que tenha um fã clube gay: nada espantável, Freud explica --, e potencial estuprador seletivo.

Em geral, as massas cooptadas padecem de ingenuidade e baixo nível de instrução. A visão sobre a mulher que lhes é imposta por algumas das seitas é a de um ser desprezível. As mulheres não devem cortar seus cabelos, pois a honra do marido são os cabelos da mulher. Cristo é a cabeça do homem; ora, o homem é a cabeça da mulher. As mulheres devem se vestir de maneira decente; que sua indumentária, modesta e reservada, não seja feita de cabelos trançados, de ouro, de pedras e de roupas suntuosas. Durante uma instrução, a mulher deve permanecer em silêncio, em toda submissão. Não é permitido à mulher ensinar e fazer a lei do homem. Adão foi feito primeiro, Eva em segundo; e não foi Adão que se deixou seduzir, foi Eva.

Constata-se que as igrejas evangélicas prosperam com ainda mais facilidade na imensidão da Amazônia. Essa floresta delirante nos faz sentir simultaneamente no inferno e no paraíso. Euclides da Cunha lhe dedica esta alegoria: "A Amazônia é a última página do Gênesis que está por ser escrita".

Um comentário:

  1. Bem-vindo de volta, Marculão!
    O ponto alto da civilização foi no auge da Grécia, antes de aparecerem e se difundirem as religiões monoteístas. Mais de dois mil anos de retrocesso.

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